REFLEXÃO – PSICOLOGIA: CIÊNCIA, PROFISSÃO E ÉTICA
Você não vai ler um artigo científico aqui. É, apenas, modestamente, minha reflexão neste momento da minha experiência como aluno de 7º período do Curso de Psicologia, resultado do que aprendi no curso, minhas leituras e minhas reflexões.
Penso que nas cadeiras que estudei, com exceção da disciplina que deu origem a este BLOG houve pouquíssima preocupação com a importância de se consolidar a psicologia como ciência. Atribuo esta deficiência a presença no corpo docente de muitos professores com orientação psicanalítica associada a uma posição dogmática. Como é cediço, dogmatismo não combina com ciência. Não bastasse isso, psicanálise não é ciência e nem é psicologia. Conquanto sua contribuição não possa ser desprezada pelo papel histórico que ocupa no cenário brasileiro e mundial, e pela reflexão que sugere, ela deveria ser, sim, conhecida pelos alunos, porém no seu espaço próprio e como, apenas, uma entre tantas possibilidades. Aqueles que consideram a resposta de Freud e seus discípulos como a melhor para lidar com o sofrimento humano deveriam buscar uma formação específica num instituto de psicanálise, há muitos e com diversas visões e ênfases, mas é um equívoco procurar esse conhecimento num curso de psicologia. Na verdade, para ser psicanalista não é preciso ser psicólogo, qualquer indivíduo, com qualquer formação de nível superior pode tornar-se um, basta cumprir as exigências de um instituto: geralmente é fazer um curso que dura em média dois anos, submeter-se a uma análise didática, eleger um supervisor da mesma corrente e assumir um compromisso de fidelidade doutrinária.
Acredito que a psicologia é uma ciência, e como toda ciência está em permanente construção, pois uma verdadeira ciência nunca está acabada, cada conquista aponta para um novo desafio, cada resposta suscita, faz nascer, outras perguntas. É certo que fazer ciência em psicologia não é uma tarefa fácil, a variedade característica do humano é um desafio e muito dificulta a criação de conceitos, categorias e construtos claros, confiáveis, unânimes e passíveis de controle e medição. Porém, é possível pesquisar o comportamento humano utilizando o estudo de casos, as correlações, a experimentação (com manipulação de variáveis independentes), a pesquisa comparativa de tratamentos, delineamento de casos únicos, analise de estatísticas, pesquisa epidemiológica, estudos de adoção, estudos de gêmeos, pesquisas transversais e longitudinais, entre outros métodos que permitem uma compreensão de quais fatores explicam o modo de ser, desenvolver-se e o adoecer ou não psicológicos. Por exemplo, já sabemos muito sobre o sistema nervoso central, a estrutura do cérebro, o sistema nervoso periférico, neurotransmissores e como estes fatores estão relacionados a muitos comportamentos. As neurociências tem dado uma importante contribuição para a psicologia.
Merece destaque no campo da psicologia como ciência a descoberta do modelo de diátese-estresse, no qual compreendemos como tendências características herdadas tornam alguém suscetível a desenvolver um transtorno, essa tendência, ou diátese, é uma vulnerabilidade, refere-se a um padrão de personalidade, temperamento ou sensibilidade. Então é necessário que o indivíduo seja exposto a um estresse ambiental que irá interagir com sua vulnerabilidade para desenvolver o transtorno, assim, por exemplo, quem tem maior vulnerabilidade para o álcool nunca desenvolverá o vício se não for exposto a este fator estressor, outros, porém, com menor vulnerabilidade exigirão uma exposição muito maior e prolongada para desenvolver o transtorno.
Outra importante descoberta refere-se exatamente a esses fatores a serem considerados num exame clínico ou propósito diagnóstico. No passado somente eram considerados os fatores biológicos (visão unidimensional), ficando restrito ao campo da psiquiatria o estudo do comportamento e das doenças mentais. Com o progresso da ciência psicológica, outros fatores passaram a ser considerados para compreender o comportamento e sofrimento psíquico (visão multi-dimensional). Logo, não basta observar o corpo do paciente, é necessário conhecer o ambiente, existe uma herança que não é genética.
É extremamente estimulante, desafiador e animador, saber que o ambiente tem uma importância excepcional no desenvolvimento do indivíduo. Assim, além dos fatores genéticos, gestacionais e perinatais (vulnerabilidade constitucional – hereditariedade e constituição) existem os fatores predisponentes (ocorridos no início da vida – primeiros anos de vida) e os fatores precipitantes (próximo ao surgimento do transtorno) que devem ser considerados no exame de cada caso, pois cada indivíduo tem sua história de vida única.
Nesse contexto, considerando os avanços da ciência psicológica e os recursos que as várias abordagens e técnicas oferecem, não é aceitável que um profissional da psicologia ignore tais conhecimentos e faça na sua prática simples uso do senso comum, que qualquer pessoa domina, ou eventual talento pessoal, em vez dos recursos que sua formação e longos anos de estudo lhe propiciaram.
Por fim, desprezar o valor científico da psicologia e a contribuição desse conhecimento para a prática da psicologia, implica em tornar inútil a formação acadêmica, desmoralizar o curso e causar ao cliente dano, às vezes irreparável, o que é grave violação dos princípios éticos, pois, afinal, não é função do profissional de psicologia dar palpites, do tipo “eu acho”, mas sim, colocar à disposição da comunidade a sua formação, os seus conhecimentos, estudos e aprendizagem, na busca de respostas possíveis para o sofrimento psicológico humano com razões devidamente fundamentadas.
Nunca devemos nos esquecer que ao estabelecermos contato com o outro, nos tornarmos para ele parte do seu “ambiente”, e, portanto, fator que pode precipitar algo novo, favorecer uma mudança que poderá ter importante e positivo significado na sua qualidade de vida.
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